Sempre pensei que amizade fosse um escudo
abstrato que nos defendia da ruína social: ter amigos era ter votos.
Mas pensei direito. Não é só isso.
Aristóteles, arquetipizando a estética siamesa, já dizia naqueles
tempos remotos da Grécia filósofa, se indagando quem eram aqueles que lutavam por outros homens nas guerras Médicas:
" O que é um amigo?"
(E depois dando a resposta inesperada) :
"O único habitante de dois corpos."
A amizade está impregnada no sangue de quem a tem.
No brilho inédito do olhar daquele pedinte faminto.
No responder sem peguntar e no acolher sem abraçar.
Amizade está além do documento, do papel passado, da burocracia de se ter um amigo.
Ela está na natureza, do homem e do animal.
Um mutualismo eterno entre aqueles que se perdem no mundo, na impureza das coisas,
na coisificação do homem e humanização da coisa.
Está no poste em que o ébrio se encosta. Está no bem em que o pródigo adquire.
É tocar na ferida e se reconhecer. É usar o íntimo.
Ter amigo é ter um mapa. Um dicionário. Uma lupa e um sol nas mãos.
Quer dizer, é se achar em um lugar, responder todas as perguntas,
é olhar tudo de perto, queimando tudo o que vem pela frente.
Marcos Carneiro