Olha só o juvenil divagando no relento mundo formal:

O Olhar

Ás vezes, tiramos férias do tempo.
Então a gente se vê como uma estátua a contemplar o passar tautológico das tardes.
No meio do ofício, tiramos férias do mundo. E fechamos as cortinas à briga das ciências, à aspereza dogmática do professor sabido. Conceitos, concertos, definições, definhações.
Olhos no quadro negro, tudo negro é, para quem há mil anos está do presente.
Passamos então a puxar o fio lineável que se esconde nas situações e que nos leva à luz da reflexão onerosa de tentar descobrir até o que não se quer, o que não se pode. O tempo concebeu ao nosso corpo, mecanismo eficazes à materializar as infidáveis preposições que o cérebro capta. Estava eu alí, no cancro rígido da cadeira, sem ser marionete dos teóricos, indagando sobre o olhar.

(...)
Eventualmente, não muito longe da realidade, tiramos férias dos olhos. Então passamos a discordar do que se vê. Não por discordar pra não querer. É discordar para que o cérebro não coloque na gaveta mais um emaranhado de pulsos elétricos. É mais fácil sentar no marasmo, do que andar na esteira da exortação.
O olhar é mecânico, é elétrico, é exato. Não é humano. Ele sabe o que faz, de forma imediata.
Olhar é contrato. E assina-se com as pálpebras, as vezes nem levantadas.
E a visão é uma senhora estudada, letrada e carismática. Política de alto calibre.
E deve ser objetivo, o olhar não se engana: olha-se tudo, ou a necessidade olha por eles.
(...)


Naquele dia, olhei de uma vez. E o olhar, mais uma vez não se enganou. Apenas tirou-se da frente para pensar no próximo olhado. E olhando pensado demais, deu no que deu: este tanto de verbetes prescindíveis à nossa prática se alimentar com os olhos o que não se alimenta com a visão.
Quanto mais você me olha, mais desejo assistir a teu olhar. É tua faca de dois verdes gumes.

Marcos Carneiro

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